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Publicado em 05 de novembro de 2024
Gazeta Brasil

Receita Federal está usando inteligência artificial para detectar sonegação de impostos

A Receita Federal está usando inteligência artificial (IA) para identificar irregularidades e fraudes tributárias e aduaneiras. As novas ferramentas são desenvolvidas por auditores fiscais e analistas tributários do próprio Fisco, que se vale dos dados de que dispõe para alimentar a análise dos novos algoritmos.

Dentre as utilidades, estão o monitoramento de criptomoedas, a detecção de irregularidades em importações e grupos econômicos e a análise de pedidos de ressarcimento. Para tanto, as novas aplicações manipulam os dados disponíveis, monitoram o mercado e pesquisam relacionamentos entre os entes e sua localidade.

Segundo a Receita, sua base conta “com uma gama muito grande de dados e foi percebida a necessidade de se construir uma ferramenta capaz de combinar diferentes técnicas de processamento". O objetivo, diz o Fisco, é aumentar a eficiência do processo de transformar dados em informação. "Cada declaração entregue, cada nota fiscal emitida, cada criptomoeda transacionada etc., tudo é insumo que pode ser processado”, diz o órgão.

A princípio, como a Receita já dispõe dos dados e os utiliza com o propósito de combater fraudes, essas atividades não violam os direitos individuais garantidos pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A avaliação é do advogado constitucionalista e especialista em liberdade de expressão e direito digital André Marsiglia. Uma violação só ocorreria nos casos de uso comercial de dados, o que não se enquadra nas ações do Fisco.

A Receita mantém um núcleo com 12 auditores e analistas que se reúne semanalmente para avaliar as necessidades de desenvolvimento de painéis. A partir do diagnóstico, também são verificadas oportunidades de aprimoramento da tecnologia.

Dentre os próximos passos, o Fisco vislumbra incrementar a ferramenta com IA generativa e knowledge graphs, além de outras tecnologias. Os técnicos usam algoritmos na linguagem Python, que avaliam como a mais avançada em ciência de dados e inteligência artificial. Para cada tarefa, elege-se o algoritmo mais eficiente ou uma combinação de vários deles.

Em seu perfil no Instagram, a Receita publicou um vídeo falando sobre o projeto, no qual afirma que a nova tecnologia do Analytics "está transformando a administração tributária". "Com o uso de inteligência artificial e análise de redes complexas, a plataforma já detecta fraudes fiscais com mais precisão e eficiência", diz o texto.

 

Lei não restringe uso de dados por órgãos do governo e investigações

Um dos questionamentos levantados todas as vezes em que se trata de uso de dados é a violação dos direitos individuais. Como bem diz a publicação nas redes sociais da Receita, o programa Analytics se vale da manipulação e observação de dados que o órgão já possui e que são analisados pelos sistemas de inteligência artificial.

A esse respeito, o advogado André Marsiglia afirma que a LGPD trata exclusivamente do uso comercial dos dados dos cidadãos e que, portanto, nesse caso específico dos sistemas da Receita Federal, ela não se aplica.

“Então investigações, fiscalizações, mesmo a imprensa, elas não estão submetidas à LGPD. Pelo menos de uma forma geral é isso. Por quê? Porque o que se visa com a LGPD é submeter quem faz uso econômico ou seja, que busca lucrar e obter vantagem econômica com a utilização das bases de dados", diz."Então, nesse caso, esse cruzamento de dados com inteligência artificial, como ele teria uma finalidade fiscalizatória, eu entendo que a LGPD não incidiria ou não regularia esses casos ou esses cruzamentos realizados pelo governo”, explica.O jurista ainda afirma que a privacidade do cidadão tem proteção constitucional, mas que esse é um princípio, não uma lei específica. "Se o uso dos dados expuser, de alguma forma, a intimidade financeira da pessoa a terceiros, isso poderia ser questionado", afirmou.

Como a Receita Federal tem usado a inteligência artificial para investigar fraudes

Conforme explica a Receita, há diferentes tipos de fraudes tributárias, que, em muitos casos, estão associadas a outros crimes. Um exemplo é a tentativa de “esquentar recursos” que não foram incluídos na tributação. Para tanto, pode-se utilizar laranjas ou buscar dar aparência lícita para o dinheiro, tentando “esquentar” os valores em operações simuladas.“Então, um dos elementos que se busca, nessa frente, é identificar valores que passam por pessoas físicas ou empresas que não declaram renda compatível e, com os relacionamentos que o Analytics evidencia, chegar a quem comanda”, enfatiza a Receita.Um dos métodos utilizados para essa finalidade é a análise de redes, que permite a economia do tempo necessário para identificar determinados esquemas. Deste modo, a equipe técnica pode se dedicar a buscar os elementos de prova.

Um exemplo do que a estratégia possibilita: em menos de um mês, a partir da análise de dados, a Receita identificou um esquema milionário. O principal implicado foi identificado sem nenhuma denúncia ou trabalho de campo que demandasse longa investigação. Nesse e em outros casos, o uso de dados ainda facilita que a Receita compartilhe seus achados com outros órgãos do governo.

Inteligência artificial da Receita monitora transações com criptomoedas

Uma das principais aplicações para as ferramentas de IA da Receita se dá no âmbito das criptomoedas. O Fisco monitora de perto as transações com criptomoedas desde 2019 para seguir de perto as transformações do mercado.

Por exemplo, dados da Receita mostram que houve uma mudança significativa no perfil das transações envolvendo criptomoedas nos últimos anos. A negociação de Bitcoin e outras criptos foi superada pela movimentação de stablecoins como o Tether.

As stablecoins são criptomoedas com paridade com alguma moeda, como o dólar ou o real, o que supostamente lhes confere maior estabilidade frente a outras criptos. A mudança no perfil de investimentos em cripto é relevante, por suas implicações no cenário tributário e regulatório das criptomoedas no país.

De acordo com a Receita, para verificar o comportamento dos contribuintes em relação às criptos, é preciso construir ferramentas analíticas avançadas, como as do Analytics.

No modo de cripto, por exemplo, a Receita já conseguiu identificar empresas "noteiras" e suas beneficiárias. Esses CNPJs são criados apenas com o intuito de emitir documentos fiscais, sem comercialização de mercadorias ou serviços, de forma a sonegar tributos.

Novos algoritmos identificaram possíveis fraudes em esquemas de mais de R$ 1 bilhão

Segundo informações do site da Receita, as ferramentas desenvolvidas no âmbito do projeto já ajudaram na identificação de um esquema de empresas de fachada para compra de criptomoedas, com movimentações da ordem de R$ 700 milhões. “Foram identificadas operações de importações e remessas internacionais com fortes indícios de irregularidades tributárias e de cometimento de outros crimes”, afirma o Fisco.

Também foi identificado outro esquema de sonegação fiscal, que ainda envolve lavagem de dinheiro para tráfico de drogas e de armas, cujos valores movimentados chegam a R$ 350 milhões. Ambos os casos estão sob investigação da Receita Federal, em parceria com outros órgãos.As novas funcionalidades foram apresentadas pela Receita Federal aos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo o Fisco, as soluções construídas no âmbito do Programa Analytics são como um “salto tecnológico” que coloca o Brasil na “vanguarda dos esforços globais para gestão e supervisão das transações em criptomoedas”.A apresentação ocorreu em junho deste ano, durante um fórum técnico informal da organização. De acordo com a Receita, as ferramentas foram apresentadas a outras administrações tributárias e geraram interesse e reconhecimento de especialistas internacionais.

Receita Federal quer ampliar conformidade voluntária com análise de dados pela IA

Segundo o Fisco, um dos principais benefícios da aplicação dos novos modelos de algoritmos para analisar os dados é a ampliação da conformidade voluntária – a reparação do erro pela própria pessoa física ou jurídica mediante comunicação, sem a necessidade de instauração de procedimento fiscal e abertura de litígios.

Nesse sentido, há três linhas principais de ação da Receita: o compartilhamento de dados visando a conformidade voluntária; o envio de alertas diante da identificação de divergências; e, finalmente, o procedimento fiscal.

Na primeira vertente, os contribuintes são informados sobre as ferramentas para que se mantenham cientes de sua situação fiscal, como o aplicativo da Receita Federal para celulares, por exemplo.Na segunda, diante da verificação de irregularidades, o próprio Fisco informa aos contribuintes sobre a necessidade de correção. Por exemplo, em outubro, a Receita enviou 500 mil cartas àqueles que tiveram suas declarações do IRPF 2024 retidas na malha fina. As reparações vão desde erros nas datas de recibos de procedimentos médicos até a não inclusão de aposentadorias ou rendimentos de dependentes.Quando as duas ações anteriores falham, então entra a terceira via de ação, que é a abertura de procedimentos fiscais. Ou seja, quem não se regularizar de forma voluntária, fica sujeito a multas que podem variar entre 75% e 150% do valor do imposto que o contribuinte tiver de pagar depois que for notificado pelo órgão.

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